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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Palavras para o Silêncio


Parada, ela observava-o ir embora.
E conforme a distância crescia ela podia revelar as lágrimas contidas em um sorriso de adeus, ele não voltaria mais. O abismo que se formava aos seus pés era impossível de ser contemplado, apenas o silêncio da música restava em sua mente.

Seus lábios ainda estavam amortecidos quando a primeira lágrima os tocou, sensações, era tudo que tinha ficado para ela. Cansaço, a umidez entre suas pernas e o desconforto de sua primeira vez.
Ela queria aproveitar a sensação de ainda não ter dormido, quando finalmente entenderia que sua pureza tinha sido dada como um presente barato, um suvenir.

E pensava se as coisas apenas se tornavam reais no dia seguinte.

Queria aproveitar que a madrugada ainda não tinha rasgado a noite como um coito e aproveitar antes do momento de confrontar todo o resto, a solidão.
Queria beijá-lo mais uma vez, sentir de novo o momento de paixão, algo que ela nunca esqueceria.
O seu primeiro momento, aquele que nunca mais voltaria e que ela gostaria que fosse só um pouco mais longo.

Ainda com seu vestido branco sujo da noite, ela caminhou pela hora mais fria da madrugada, indo em direção ao sol, queria saber que ele nasceria e que um dia novo chegaria. Afastar aquela sensação que o tempo tinha parado. No dia em que ela tinha dado o seu carinho, afeto, amor e tudo tinha sido descartado.

Mas agora não fazia mais diferença, ele nunca mais voltaria, ela nunca seria quem era; e sabia que isso iria acontecer, sabia o que estava fazendo, sabia o que ele queria dela. Ela quis, fez questão.

E assim como o sol que nascia, ela também nascia. Uma outra pessoa estava ali parada olhando outro dia chegar, sem expectativas, sem esperanças, apenas vendo o calor nascer. Não havia trilha sonora, não haveria mais amor.

E a coisa que mais sentiria falta era a música do Silêncio.


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Taverna dos Personagens


Era noite na taverna dos personagens. O local era secreto e fechado, pouco tinha saída de ar, afinal, eles precisavam de um lugar onde pudessem ter privacidade. A morena entrou no bar já suspirando de cansaço.
Ela viu seu amigo no balcão e se aproximou.
-       Você viu?
-       O quê? – perguntou o rapaz loiro de boca grande.
-       O que ela falou enquanto assistia o episódio?
-       Não vi, eu não estava nesse lembra?
-       Verdade, desculpa. Mas enfim... estou cansada.
Ela não era a única, a vida de personagens era muito difícil. Eles existiam por um período de tempo curto e depois acabavam. Alguns ainda ficavam durante muitos anos na ativa. Os monstros principalmente. As mocinhas nunca tinham essa sorte, as vilãs sempre ficaram muito mais na cabeça das pessoas que elas.
Todos queriam ser lembrados, menos a morena. Ela estava bem cansada de ter sua “vida” vista por todos. Ela sentia-se prostituída.
-       Você sabe que essa é a vida de um personagem, não? – o loiro sempre dizia para ela.
-       Sim, eu sei. Mas sabe, talvez ser um personagem seja uma porcaria.
-       É o que você é, gata. Não tem como fugir.
-       E se eu conseguisse um jeito de ter uma vida própria?
Ele tremeu com o copo na mão. Seria uma loucura se alguém ouvisse aquilo.
-       Tá doida? Vai falar isso em voz alta!
-       Ah, aqui é proibido para autores né? Então! E mesmo assim, eles que se ferrem, afinal se eles me escutarem, talvez cancelem minha história. E quem sabe o que rola depois do cancelamento?
-       Olha, ninguém nunca mais voltou pra contar.
-       Então! Quem sabe existe vida depois dessa exposição toda! Quem sabe existe alguma justiça divina!
Ele então pousou o copo no balcão e começou a rir! Gargalhar para dizer a verdade.
-       Justiça divina? Você só quer trocar um autor pelo outro.
-       Verdade... eu só queria pode seguir as coisas do meu jeito e não o que escrevem pra mim. Cada diálogo babaca!
-       Bom, mas isso só vamos saber se você for realmente cancelada...
-       Tenho que ir. Obrigada pelo papo.
-       De nada e se cuida.
Ela saiu de novo, afinal tinha uma cena de romance escrita logo em seguida.